Hoje, no Brasil, existe um grupo de empreendedores em uma dimensão de vulnerabilidade, muito além do básico. Estou falando dos nanoempreendedores, que fornecem os mais variados serviços e produtos, gerando empregos e impactando a economia local, como a espinha dorsal da atividade econômica nas periferias. Talvez esse seja um termo do qual nunca tenha ouvido falar, pois os “nanos”, em sua maioria, figuram na informalidade e, se antes da crise não eram contemplados em políticas de fomento, quem dirá agora. No contexto da pandemia em que vivemos, pequenos empreendedores periféricos, em sua maioria negros, estão entre os mais afetados.
Convido você a fazer uma rápida reflexão: imagine uma mãe solo negra de duas crianças, moradora de favela e dona de um pequeno empreendimento na área de alimentação, com renda que não chega a dois salários mínimos. Antes da pandemia, sua maior preocupação estava no equilíbrio do orçamento familiar, o que já exigia uma boa ginástica financeira para deitar a cabeça no travesseiro, de forma tranquila. Isso porque esse orçamento é composto por despesas que não cabem em uma cesta básica de alimentos.
Na lógica da formalidade, via de regra, muitos se esquecem que, antes de empreendedores, os nanos são pessoas que pagam luz, água, telefone e internet e também consumidores que compram produtos e serviços e gastam com lazer e entretenimento diariamente. Nesta nova realidade, em que cerca de 40% dos moradores de favelas não receberam o auxílio emergencial, e seguem sem acesso a crédito bancário e nenhuma outra fonte de renda, precisamos pensar nas reais emergências econômicas para essa parcela da população que vão muito além da cesta básica – principal ajuda oferecida a eles neste momento.
Nanoempreendedores são uma potência responsável pelo sustento de uma grande parcela de famílias da periferia, sendo a maioria com mulheres negras como mantenedoras. Não podemos deixar que a crise de saúde e econômica breque o empoderamento econômico de grupos e territórios vulneráveis. Quarentena, isolamento social e estabilidade econômica seguem sendo privilégio neste país. Segundos dados do Sebrae e da FGV, a Covid-19 fez com que 36% das empreendedoras negras interrompessem suas atividades. Isso porque, para 27% delas, o negócio só consegue funcionar presencialmente. Ao olhar esse dado, e lembrar que nanoempreendedores nem entram nas pesquisas, identificamos uma nova emergência: a cidadania digital.
Nada contra as cestas e outras diversas ações, campanhas e mobilizações da esfera pública, privada e sociedade civil, com foco no emergencial. Mas já parou para pensar que cestas básicas são feitas por empresas, que não estão dentro destes territórios vulneráveis, seja gerando emprego ou fomentando a economia local? Em uma conta simples, a médio ou talvez curto prazo, a doação de cestas quebra mercadinhos na favela.
Após cinco meses de confinamento, a maioria destes empreendedores, muitos ainda analógicos, precisam de apoio para se reinventar e reposicionar seus negócios, investindo no digital. Seja via redes sociais delivery, marketplace ou loja virtual. Por isso, em paralelo às doações e iniciativas emergenciais, precisamos urgentemente rever nossas estratégias como fomentadores destes ecossistemas periféricos, ampliando as ofertas formativas nos meios digitais e tornando-as cada vez mais acessíveis, de forma coletiva.
Deixo aqui uma provocação sobre a qualidade e a assertividade do investimento social e de impacto no Brasil. Se você tem capital social, financeiro e de rede hoje, eles também devem estar empregados no atendimento a essas outras urgências. Chegou a hora de dividirmos esforços e recursos para atender outras demandas que as emergências econômicas trazem.
Precisamos minimizar os impactos no empoderamento econômico desses núcleos familiares. Abrir diálogos. A retomada econômica do país não pode ser construída sem pensar no nanos como agentes econômicos.
Artigo retirada da edição digital da Revista Pequenas Empresas e Grandes Negócios