Comunidade de aprendizagem

Comunidades de aprendizagem, um jeitinho novo de aprender

PorJoão Souza

O conceito ainda é novo e ganhou força durante a pandemia. Aqui, sugiro uma nova leitura dessa prática. A ideia é criar uma rede de aprendizado com a participação da comunidade, expandindo a ideia de aprendizado que ainda é presa na relação escola e estudantes. Assim, todas as pessoas podem contribuir para a geração e promoção de conhecimento pautado na realidade local.  

Foi durante a pandemia, em meados de 2021, quando todas as pessoas precisaram se isolar socialmente, se conectando apenas por meios online, que o conceito Comunidade de Aprendizagem ganhou força no Brasil. Foi nesse momento que as escolas tradicionais precisaram se adaptar ao isolamento, abrindo espaço para pensarmos em novas formas de aprendizagem. 

Isso porque, nos encontramos diante de uma barreira: a exclusão digital. Se nós já tivemos dificuldade em manter contato com pessoas próximas para colocar a conversa em dia, pense nas instituições escolares. Elas se deparam com a realidade que nem todas as pessoas estudantes tinham acesso a uma internet de qualidade para poder acompanhar as aulas virtuais. Além disso, não era garantido que as interações virtuais, mesmo com acesso à internet, teriam a mesma qualidade que uma aula presencial. 

Nesse sentido, abriu-se espaço para pensarmos em novos modelos de aprendizados para além das tradicionais aulas expositivas. Dessa forma, pessoas educadoras esbarraram no conceito de Comunidade de Aprendizagem, que já tem sido explorado, mesmo que de forma tímida, no exterior. O conceito já trabalhado lá fora defende uma aprendizagem potencializada por um ambiente de colaboração, por meio do diálogo, enriquecido pela diversidade. 

O novo conceito 

Como já disse, o conceito ainda é novo e está em construção. De forma resumida, essa ideia diz que Comunidade de Aprendizagem é uma proposta da ampliação da participação das pessoas e da comunidade na vida escolar, intensificando e diversificando as interações entre agentes educativos de forma metódica. Dessa forma, é fortalecido o aprendizado das pessoas estudantes, além do desenvolvimento de uma convivência respeitosa, tendo a diversidade como fonte de riqueza humana. 

O conceito, portanto, busca ampliar a relação entre estudantes e escola, envolvendo toda a comunidade do entorno, como forma de enriquecer o conhecimento, com base na realidade local, através de diálogos, com o intuito de superar as desigualdades. Buscam dessa forma, desenvolver em cada pessoa o senso de autonomia, responsabilidade e solidariedade.  

Como podemos perceber, apesar do conceito propor uma expansão do conhecimento, ainda é muito conectado à relação escola e estudante. Gostaria de propor aqui uma nova leitura do conceito, baseando na realidade brasileira. Uma realidade pautada da desigualdade e falta de acessos, principalmente escolar. Dessa forma, sugiro pensar em uma Comunidade de Aprendizagem focada na comunidade, sem a participação necessária de uma escola tradicional como agente centralizador, podendo ser substituídos por mentores, organizações e lideranças locais, por exemplo.

O FA.VELA como propagador de conhecimento 

Segundo uma pesquisa da UNICEF realizada em 2018, mais de 18,1% das crianças e adolescentes do Brasil sofrem privação de acesso à informação e à tecnologia, deste total 70% são jovens negros. Tais desigualdades acabam limitando as oportunidades de jovens em situação de vulnerabilidade social. 

Por outro lado, o futuro está sendo moldado por grupos que detém o acesso regular a recursos (financeiros, materiais, humanos). Isso resulta na manutenção das desigualdades que caracterizam o presente. Por isso, é importante preparar adolescentes em risco social (ou seja, historicamente marginalizados e vulnerabilizados na sociedade) para serem protagonistas da construção de futuros mais justos, inclusivos e sustentáveis.  

Pensando nisso, o FA.VELA, possui projetos com o intuito de potencializar a jornada formativa desses grupos. Para isso desenvolvemos projetos utilizando a metodologia de pedagogia de projetos e aprendizagem ativa, na qual fomentamos o conhecimento de forma que faça sentido para a vida das pessoas, e com linguagem adaptada para cada público.  

Dentro dessa metodologia a prática é valorizada, já que o conhecimento também é gerado por meio da experimentação, não apenas na teoria. Para que isso seja possível, damos acesso aos materiais necessários para as atividades. Não faz sentido passar conhecimento sobre inclusão digital, se as pessoas participantes do projeto não têm acesso a um computador ou tablet, por exemplo.  

E o mais importante: dentro do aprendizado fortalecemos a autonomia das pessoas para que elas se transformem em agente do conhecimento, propagando seus aprendizados para mais pessoas. Acreditamos que o conhecimento deve, sempre, estar em expansão, e que as trocas de saberes não devem estar limitadas à relação dessas pessoas conosco. Afinal, só conseguimos atender um número limitado de pessoas por vez, então limitar a propagação de conhecimento pelo contato direto conosco seria limitar o impacto. 

Nesse sentido, penso que o modelo de Comunidade de Aprendizagem vá de encontro à nossa missão, sendo uma ótima ferramenta para impulsionar o desenvolvimento das pessoas. Aguçando a independência e habilidades empreendedoras a partir de diálogos entre diferentes pessoas da comunidade, buscamos fortalecer os grupos de cada território. Criando assim, diferentes grupos de trocas de saberes, expandindo a rede.  

Imagine um grupo que converse sobre práticas mais sustentáveis dentro de um bairro. Imagine se nesse grupo há uma pessoa indígena que mora na região, antigos moradores do bairro, grupo dos comércios e representantes de escolas. Pense no conhecimento gerado a partir daí. Agora imagine se uma pessoa muda para outro bairro e percebe que as práticas daquele novo local também podem ser melhoradas e assim, criar um novo grupo de conhecimento para debater o assunto nessa nova região. É essa a ideia que queremos com as Comunidades de Aprendizagem.  

Ensino empreendedor  

Para algumas pessoas da área da educação, a palavra educação deveria ser sempre ligada a palavra empreendedorismo. Defendem que a educação exige transformação e torna o ser humano protagonista da sua forma de existir no mundo, ou seja, um empreendedor de si mesmo. 

Quando falamos em empreendedorismo, falamos em competências multidisciplinares, como criatividade, inovação, visão de futuro, postura frente riscos, organização, resiliência e curiosidade, por exemplo. 

Vale lembrar que no Brasil, grande parte da população encontra no empreendedorismo sua única fonte de renda. Estou falando do empreendedorismo de sobrevivência, ou seja, aquelas pessoas que veem no ato de ofertar serviço ou produtos a única forma de sobreviver. Esse tipo de negócio não nasce a partir de uma grande oportunidade do mercado ou pela vontade de investir, e sim por necessidade.  

Faltam para essas pessoas, entretanto, recursos materiais e de conhecimento para desenvolver seu negócio. Até porque, muitos dos livros sobre empreendedorismo, que poderiam auxiliar essas pessoas empreendedoras, não falam com quem empreende por sobrevivência, falam para uma outra realidade empreendedora. 

Dessa forma, seria interessante uma rede de conhecimento para a população de forma geral, que desenvolvesse em cada pessoa habilidades empreendedoras, com o intuito de torná-las mais preparadas, caso o empreendedorismo seja o caminho que ela precise seguir. 

Fortalecimento de lideranças locais 

Para além dos conhecimentos gerados, acredito que a Comunidade de Aprendizado, focado nas comunidades locais, pode gerar outro grande benefício para a realidade brasileira: o fortalecimento de lideranças locais. Por que isso é importante? 

Bem, o Brasil é um país desigual, sobre isso não há dúvidas. Para reduzir essas desigualdades, seria necessário o desenvolvimento de políticas públicas, criando oportunidades para os grupos historicamente vulnerabilizados da nossa população. Entretanto, podemos afirmar que, na maioria dos casos, quem está no poder não faz parte desta realidade, desconhecem e até mesmo negam a realidade que vive a maioria da população. Ao negar o problema, nada é feito para solucioná-lo. Nada sendo feito, as desigualdades se perpetuam no país. 

Para mudar esse cenário e quebrar esse ciclo, é essencial que lideranças locais ganhem espaço, afinal, essas pessoas possuem conhecimento e vivência da realidade e das necessidades dos locais que habitam. Só assim, essas realidades irão receber a atenção devida. Dessa forma, com um poder composto pela diversidade da população brasileira, acredito que poderemos desenvolver futuros mais justos e ambientalmente possíveis.  

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João Souza