O Brasil é o país que mais mata transexuais no mundo e 5º colocado no ranking de assassinato de mulheres. Já os assassinatos de jovens negros, aumentaram 429% em 20 anos. Como falar de empregabilidade e diversidade em um cenário tão perverso com pessoas trans?
A princípio, nem sempre a violência contra estes corpos se pronuncia de forma tão fatídica. Em algumas vezes, ela é silenciosa, quase imperceptível. Recorrentemente, a violência que que acomete estas pessoas que são instantaneamente colocadas às margens da sociedade desde o início de suas existências, manifesta-se em forma de uma diferença salarial para uma mesma função, uma exclusão da equipe de trabalho, ou até mesmo pelo simples fechamento de portas a esses corpos (que dispõem de um diminuto acesso à educação e formação profissional).
De acordo com um estudo realizado pela UFRGS, Deisi Noro recorre ao alarmante dado da Pesquisa Nacional sobre o Ambiente Educacional (ABGLT, 2016), que apresenta resultados da primeira pesquisa nacional virtual realizada no Brasil com 1.016 adolescentes e jovens lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais (LGBT) no ambiente escolar. O estudo revela que: 73% deles são agredidos verbalmente e 36% fisicamente (com afirmações de alguns que cogitaram, até mesmo, tirar a própria vida).
Mas quais seriam as consequências dessa marginalização institucionalizada que permeia a vida destas pessoas, pela ótica da neurociência? Ao mesmo tempo, o que isso tem a ver com diversidade e empregabilidade?
A neurociência tem sido muito importante para entendermos como nosso cérebro, medula e nervos funcionam e comandam nosso comportamento, processo de aprendizagem e desenvolvimento de doenças. Absolutamente tudo o que acontece em nosso corpo passa pelo cérebro, é registrado e promove uma consequência. A exposição à violência não poderia ser diferente.
O estresse e a personalidade podem influenciar atividade vitais para os organismos, como o processo de aprendizagem, que os indivíduos utilizam para ajustar seus comportamentos aos ambiente ou situação na qual se encontram. (ALVES, 2018)
Quando somos submetidos a um nível crônico de estresse, passamos a aumentar a produção do hormônio Cortizol, que prejudica a saúde dos nossos neurônios, chegando até mesmo a modificar a nossa anatomia cerebral, desencadeando diversas doenças e transtornos.
Ainda segundo Lipp et al. (2002), quase um quarto dos alunos ingressantes na escola sofrem de estresse grave. Sendo assim, podemos considerar que o nível alto de tensão poderá interferir não só na saúde e bem-estar, mas também no desempenho escolar dos alunos, uma vez que o estresse tem implicações diretas na concentração e na habilidade de aprender das pessoas.
Este alarmante resultado da Pesquisa Nacional sobre o Ambiente Educacional somado a questões sociais como a pobreza extrema (intimamente ligada à subnutrição e outros fatores dificultadores ao acesso escolar) e os conhecidos efeitos do estresse crônico, nos abrem caminhos para entendermos um pouco mais sobre a evasão destes grupos ao ensino. Sob o mesmo ponto de vista, nos permite questionar a dificuldade em se falar honestamente sobre diversidade e empregabilidade no mundo corporativo.
Fatidicamente, ao se deparar com o início da vida adulta, estes mesmos jovens vítimas da violência e marginalização, deparam-se com o mercado de trabalho e o mundo corporativo, que determina que no âmbito da empregabilidade, “O profissional do futuro é o empreendedor de si mesmo”. Por outro lado, para a grande maioria destes corpos balizados pela violência habitual, empreender converte-se em sua única perspectiva de subsistência.
Do mesmo modo, é exatamente neste angustiante contexto de ”garantir o feijão na lata”, que estes seres vulnerabilizados iniciam suas experiências empreendedoras. Assim também,Tendo a criatividade como acessório genuíno de sua luta e resistência, inúmeros sonhos se tornam planos a partir do acesso à educação empreendedora e é desta forma que estes grupos conseguem se reinventar e reexistir em nossa sociedade.
Entretanto, em uma realidade onde 40% dos lares brasileiros são chefiados por mulheres (em sua maioria negras), conceder a estes grupos vulnerabilizados uma nova perspectiva de provisão para a dignidade de sua famílias, é uma grande prerrogativa para a redução da desigualdade social em nosso país.
Em suma, a (re)descoberta desses grupos enquanto agentes da engrenagem da sociedade, despertos enquanto cidadãos empreendedores nos viabiliza testemunhar o desenvolvimento dessas famílias. Simultaneamente, planos, dignidade e independência financeira surjam como forma de repressão à violência contra esses corpos.
Dessa forma, a cada projeto diversificamos ao máximo o público beneficiado como forma de combatermos de frente essa desigualdade e violência. Enfim, através dos dados aqui expostos, pode-se concluir que muito ainda há de ser discutido sobre diversidade e empregabilidade. Ou melhor ainda, diversidade. Nas escolas, nas ruas, em todos os lugares, pois o que vemos quando falamos em empregabilidade, é apenas a ponta do iceberg.