Autor: João Souza
Existem algumas associações que habitam o nosso imaginário coletivo e que parecem ser o caminho a ser seguido, mas que acontecem sem nenhuma lógica e seguem somente aquela máxima de fazermos algo porque, afinal de contas, sempre foi assim.
Uma delas é o conceito do trabalho voluntário. Existe uma associação implícita de que o seu trabalho é a forma como você ganha dinheiro, e o trabalho voluntário é como você muda o mundo. Essa lógica está intimamente ligada também à dissociação do trabalho de transformar a sociedade com algo que seja rentável, afinal, a nobreza de querer melhorar o mundo tem um caráter quase religioso. O nosso imaginário coletivo também construiu essas imagens de várias maneiras, como se essas pessoas tivessem uma missão a cumprir, quase como santos e santas das ruas que, através desse dom mágico conseguem cuidar de quem precisa.
Mas, seria esse o único caminho? Parece igualmente lógico que a gente pense que o trabalho de transformar a sociedade deva ser sim remunerado. Afinal, o que está em jogo aqui é a solução para problemas coletivos. Esse cuidado de pensar em nós mesmos não somente como indivíduos, mas indivíduos inseridos em um contexto em que a gente não precisa somente “retribuir para a sociedade” e sim fazer parte dela em sua totalidade parece estar crescendo no Brasil. De acordo com o Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social (IDIS), o nosso país conta atualmente com 57 milhões de pessoas voluntárias, enquanto 56% da população adulta diz fazer ou já ter feito algum tipo de trabalho voluntário. Em 2011 esse número era de apenas 25%. Dentre várias coisas, esses dados nos mostram que essa preocupação com a sociedade já está adentrando o nosso imaginário coletivo.
O trabalho voluntário normalmente possui caráter assistencialista, ou seja, ele resolve uma necessidade básica e urgente para quem precisa. Oferecer alimentos, itens de necessidade básica e serviços de saúde a quem não possui esses acessos são trabalhos voluntários assistencialistas, e claro, em uma sociedade tão desigual como a nossa, ele se mostra essencial. Mas existe um outro grupo de pessoas que pensam em soluções de longo prazo, que unem o pensamento empreendedor ao desejo de mudanças permanentes para resolver justamente essas restrições. Esse é o empreendedorismo social.
Em 2022 o FA.VELA publicou o estudo “Novas Cartografias do Impacto Social: Um estudo da base para a base” em parceria com o Instituto de Cidadania Empresarial que buscava justamente entender como funciona e quem são essas pessoas que estão à frente do empreendedorismo de impacto no Brasil. De acordo com o estudo, o empreendedorismo social é liderado principalmente por pessoas entre 30 e 49 anos (70%), sendo que 60% são pessoas pretas e 60% são mulheres cisgênero. Além disso, o estudo também buscou entender quais eram as necessidades dessas pessoas e de suas organizações, sendo que o financiamento para a contratação de pessoas colaboradoras e infraestrutura para a gestão dos projetos aparece sempre como uma constante barreira.
O nome do estudo já diz tudo: o impacto é realizado, em sua maioria, da base para a base. Não existe nada melhor do que repertório e vivência quando falamos em buscar soluções. Mas, para além da falta de recursos de quem não está no topo, existe também este estigma ligado ao trabalho de caráter social, o próprio imaginário coletivo que falamos no início de que isso se faz apenas por amor.
Diz-se que a verdadeira transformação filantrópica acontece a partir de 4 elementos: tempo, talento, dinheiro e laços, todas elas essenciais para mudanças efetivas e duradoras. Conhecer realidade e as necessidades de quem já está no corre de trabalhar com impacto é um passo importante para que a gente crie uma nova imagem do que é empreender com impacto e porque precisamos valorizar esse trabalho e como isso é, de fato, o que precisa existir em nosso imaginário coletivo.
Fonte: https://www.futura.org.br